Antes de respondermos qualquer dúvida ou entrarmos aos detalhes da decisão, é preciso compreender que inicialmente que a Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 4219 foi ajuizada em 19/03/2009 pelo Conselho Federal da OAB, contra (i) o art. 3º da resolução nº 11 de 31/01/2006 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), bem como o (ii) parágrafo único do artigo 1º da Resolução nº 29 de 31/03/2008, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Ambos dispositivos impugnados tinham em comum a previsão de utilização da pós-graduação para fins de tempo de atividade jurídica exigida para os concursos da Magistratura e do Ministério Público.
Para a OAB, tais previsões violariam diretamente o (i) art. 93, inciso I e (ii) artigo 129, §3º, ambos da Constituição Federal, os quais assim estabelecem:
"Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)"
"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)"
Para sustentar o pleito de inconstitucionalidade a OAB sustentou, em síntese, que os dispositivos acima informados tem por escopo evitar a “juvenilização” de cargos públicos fazendo com que o candidato tenha, ao menos, uma experiência profissional relevante. E portanto, a frequência no curso de pós-graduação, por si só, não seria capaz de gerar esta maturidade jurídica ao candidato, a qual muitas vezes só é alcançada com a prática do dia a dia.
Destaque-se que nos transcorrer da ação a resolução 29/2008 do CNMP foi revogada e substituída pela resolução 40/2009, a qual manteve a previsão de utilização de pós-graduação como atividade jurídica para fins de prova do Ministério Público. Com isso, manteve-se o questionamento perante STF, mas desta vez, com o dispositivo mais recente.
Por outro lado, a resolução 11/2006 do CNJ foi revogada e substituída pela resolução 75/2009 a qual deixou de prever a utilização de pós-graduação como atividade jurídica para fins da prova da Magistatura. Não havendo mais previsão pelo CNJ, tal dispositivo perdeu objeto de questionamento perante o STF, permanecendo apenas em relação ao Ministério Público.
Ato contínuo, em 04/08/2020 o STF julgou a questão, entendendo pela constitucionalidade do dispositivo impugnado, haja vista que, conforme voto do Ministro Edson Fachin, o conhecimento adquirido na pós-graduação é superior ao da graduação, bem como, o conhecimento teórico necessariamente está interligado com a prática.
Com isso, o que se pode concluir da decisão proferida pelo STF é que a previsão da utilização como tempo de atividade jurídica é constitucional.
No mais, tenho certeza que você possui várias dúvidas sobre esta decisão e sua aplicação prática. Vamos, então, melhor esclarecê-la:
1. O QUE É TEMPO DE ATIVIDADE JURÍDICA OBRIGATÓRIA?
R: Trata-se do período de 3 (três) anos de prática jurídica que o candidato de um concurso público deve possuir após a conclusão da graduação em direito.
Vale destacar que ela pode ser comprovada de diferentes formas, a depender da previsão normativa de cada concurso, como por exemplo, (i) exercício da advocatícia com participação em 05 atos privativos de advogado por ano e em causas distintas, (ii) exercício de cargos que exijam utilização do conhecimento jurídico, como é o caso do magistério, cargos e empregos públicos e etc,. (iii) atuar como conciliador ou mediador, (iv) dentre outras previsões como é o caso da pós-graduação.
2. COM A DECISÃO DO STF, TODO CONCURSO DEVERÁ PERMITIR A UTILIZAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO COMO CONTAGEM DE ATIVIDADE JURÍDICA?
R: Não. O STF decidiu apenas que, havendo previsão nas normas do concurso, a utilização de pós-graduação para fins de atividade jurídica é constitucional.
Ou seja, a decisão do STF, por si só, não tem força nenhuma. É necessário que cada concurso preveja especificamente a utilização da pós-graduação, como é o caso da resolução 40/2009 do Conselho Nacional do Ministério Público.
3. A REALIZAÇÃO DE 01 (UMA) PÓS GRADUAÇÃO SUBSTITUI A EXIGÊNCIA DOS 3 (TRÊS) ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA?
R: Depende da previsão normativa de cada concurso. No caso do Ministério Público, a resolução 40/2009 prevê que a pós-graduação conta apenas 01 (um) ano como atividade jurídica, logo, o candidato precisa ainda comprovar os demais anos por outros meios.
4. POSSO FAZER MAIS DE 01 (UMA) PÓS PARA COMPROVAR A EXIGÊNCIA DOS 3 (TRÊS) ANOS DE ATIVIDADE JURÍDICA?
R: Resposta parecida com a anterior, ou seja, depende da previsão das normas do concurso. No caso do ministério público, apenas 01 (uma) pós-graduação pode ser utilizada.
Ou seja, mesmo que o candidato faça 3 (três) pós-graduações, apenas 01 (uma) delas poderá ser considerada para fins de concurso público.
5. ESTA DECISÃO SE APLICA A PROVA DA MAGISTRATURA?
R: A princípio a decisão não se aplica, visto que as normas do concurso da magistratura, regulamentadas pelo CNJ deixaram de prever a utilização da pós-graduação como atividade jurídica.
No entanto, esta pergunta tem levantado dúvidas e polêmicas, especialmente considerando que a resolução nº 11 de 31/01/2006 do CNJ, que previa utilização da pós como atividade jurídica, foi revogada – o que acarretou perca do objeto na apreciação do STF.
Assim, se futuramente o CNJ tornar a prever a utilização de pós-graduação como atividade jurídica, seria ela constitucional?
Entendemos que sim, pois embora não tenha sido abordado especificamente pelo STF, o voto vencedor, do Ministro Edson Fachin, deixou consignado que:
“Há indicação evidente de que o estudo teórico e a prática devem ser conduzidos de forma indissociada, sem que exista, entre eles, uma relação de hierarquia para os fins buscados pela norma”.
Logo, onde há os mesmos fundamentos haveria o mesmo direito.
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